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sexta-feira, 3 de abril de 2015

Novas e velhas palhaçadas de Olavo de Carvalho



Do artigo "Prazo de Validade", publicado em 12 de fevereiro, de Olavo de Carvalho:

E, é claro, não poderia faltar quem, rastreando as pistas mais sutis e inefáveis, visse no panelaço a mão sinistra do governo de Washington. William F. Engdahl, o Emir Sader americano, nosso já velho conhecido (leia também o artigo Sob as ordens do inimigo), jura até que o “Movimento Passe Livre” foi inventado pelo sr. Joe Biden para “desestabilizar o governo Dilma Rousseff”, quando no Brasil até as crianças sabem que foi criado pelo próprio governo Dilma Rousseff para desestabilizar a administração estadual paulista.

De trás para frente:

1. Se o Movimento Passe Livre foi criado para "desestabilizar a administração estadual paulista", como é possível que seus protestos em São Paulo tenham surgido em decorrência do aumento da tarifa de ônibus na cidade, então e ainda sob responsabilidade da Prefeitura de São Paulo, controlada pelo PT através do Prefeito Haddad? E por que o petista Haddad se reuniu com o MPL para negociar os tais vinte centavos? E por que Nina Rabelo, uma das lideranças do movimento, declarou, na época, que "Haddad vai ceder frente à pressão popular e vai revogar o aumento da tarifa", não que Alckmin o faria? E por que eles acusaram Haddad de ter apelado para o que chamaram de manobra lamentável nas negociações com o movimento?

2. Se o Movimento Passe Livre foi "criado pelo próprio governo Dilma Rousseff", como é possível que seu primeiro mandato tenha se iniciado somente em 2011 e o MPL de São Paulo já estivesse ativo em 2004 e o movimento nacional desde 1999?

3. Em 2010, Olavo já havia escrito um artigo sobre Engdahl. Intitulou-o "O Emir Sader Americano". Eu mantinha um outro blog à época, no qual rebati as tolas críticas de Olavo ao autor. Reproduzirei abaixo boa parte do meu post de então (alguns links já não estão mais ativos, infelizmente):




1. Guerra e Petróleo


Um ano após a invasão de Bagdá, prossegue Engdahl, "tornou-se claro que a guerra pouco tinha a ver com a ameaça das armas de destruição em massa…" (Olavo de Carvalho em "O Emir Sader Americano")
Qualquer leitor bem alfabetizado e honesto entende que Engdahl não disse que não havia armas de destruição em massa no Iraque, mas que elas pouco tinham a ver com a razão que levou os EUA à guerra. Olavo reproduziu o trecho (que, suponho, ele mesmo traduziu) mas transformou-o em uma negação da existência dessas armas no Iraque, contrapondo esse boneco de palha às evidências em contrário apresentadas por Miniter em seu Disinformation: 22 Media Myths that Undermine the War on Terror. Olavo disse que isso demonstraria que Engdahl não é bem informado, que só lê a grande mídia, não livros com fontes primárias, mas não consegue explicar por que a administração Bush não levou essas fontes a sério para se defender, por que o insuspeitamente "bushista" Karl Rove continua, em 2010, negando a existência de WMDs no Iraque, e, pior, não consegue explicar por que até mesmo o próprio George W. Bush negou que houvessem tais armas [Atualização: o link estava ativo em 2010].



Mas, concedendo que essas armas realmente estivessem lá, analisemos a importância dessas evidências e sua devida compreensão.

Primeiramente, a presença de material nuclear para a construção de WMDs e mesmo a existência das próprias, além de controversa, pode ser compreendida sob uma outra perspectiva, não a alegada pela administração Bush para justificar a guerra. As dificuldades impostas pelo regime de Saddam às investigações da ONU podem ser explicadas, como fazem estudos oficiais, pelo fato de que o Iraque tinha de manter, para seus potenciais e reais inimigos locais, a imagem de uma potência regional dotada de poderosos armamentos de guerra ao mesmo tempo em que tinha de dar satisfações à "comunidade internacional" de seu desarmamento e, mesmo se desarmando, ainda ter de manter a estrutura para se rearmar posteriormente por uma questão geopolítica evidente e perfeitamente justificável.

É o que explicam um estudo oficial do Joint Forces Command e um outro, da CIA.

Sabemos, no entanto, que a mera existência de WMDs no Iraque não era a questão, e sim sua suposta cooperação com a Al-Qaida de Bin Laden. Essa ligação não foi confirmada pelas investigações do Pentágono, como noticiado primeiramente aqui e  aqui, repercutindo depois na ABC News, Newsweek e até mesmo na então oficialesca Fox News.
De qualquer forma, lembremos, como apontei acima, que Engdahl não entrou na questão da existência dessas armas, mas de sua real importância na decisão americana de declarar guerra contra o Iraque. Olavo tentou confundir o leitor. As evidências das quais Engdahl realmente precisava para dizer o que de fato disse são, portanto, de outra natureza, e ele as apresentou no mesmo livro criticado pelo filósofo neocon. Olavo de Carvalho nem mesmo tentou dar conta desses trechos:

a. The Cheney National Energy Policy Report


A California electricity crisis, soaring natural gas and oil prices, and a chaotic U.S. electricity grid were the publicly stated reasons for the president's asking Cheney to make proposals on a national energy strategy. The Cheney National Energy Policy Report gave a clear signal of what the new administration was about. Its message was buried in partisan debate and ignored. It should have been studied more carefully as a clue to the Bush agenda.


The Baker Institute's energy strategy report formed the basis of the ofï¬ cial Cheney task force recommendations to the president, the National Energy Policy Report of April 2001. Both the Baker and Cheney reports projected a dramatic increase in U.S. dependency on imported oil over the coming two decades. Baker's group identiï¬ ed growing shortages of world oil, and singled out Iraq for attention: `Iraq remains a de-stabilizing influence to … the flow of oil to international markets from the Middle East,' the Baker study declared. They didn't explain why. They simply called on Washington to `restate goals with respect to Iraq policy.'


The Baker Institute study also recommended that Cheney's Energy Policy Group include `representation from the Department of Defense.' The U.S. military and energy strategy were in effect to be one. The Baker report concluded, as a portent of what was to come, `Unless the United States assumes a leadership role in the formation of new rules of the game, U.S. ï¬ rms, U.S. consumers and the U.S. government [will be left] in a weaker position.' Cheney and the new administration did not hesitate to assume the leadership role, though few could imagine at that point just how the new rules would be formed.


Cheney's report emphasized a growing dependency of the United States economy on oil imports, and looked well into the future. After a passing mention of domestic energy alternatives, the core of the recommendations dealt with how the United States might secure new foreign oil sources. In this regard, the report noted a problem. Many of the areas in the world holding the largest oil resources were in the hands of national governments whose interests were not necessarily to help the U.S. energy agenda. Cheney's report noted that these `foreign powers do not always have America's interests at heart.' What he meant was that a nationalist government with control of its own energy resources and with its own ideas of national development might not share the agenda of ExxonMobil or ChevronTexaco or Dick Cheney.


Cheney, Baker and others in the top policy circles of Washington had serious long-term concerns. They were privately alarmed at the state of world oil supplies, a theme which, for good reasons was rarely mentioned in public discussion. They were also thinking of how to get their hands on what remained.


Back in autumn 1999, at a private London Institute of Petroleum meeting, Cheney, then CEO of Halliburton, had told leading international oil executives that the Middle East would become an even more vital strategic center of needed oil reserves over the coming decades. In a preview of his 2001 energy report, Cheney told the oilmen: by 2010 we will need on the order of an additional ï¬ fty million  barrels a day. So where is the oil going to come from? Governments and the national oil companies are obviously controlling about ninety percent of the assets. Oil remains fundamentally a government business.


Where would the world find six new Saudi Arabias? Cheney answered, `While many regions of the world offer great oil opportunities, the Middle East, with two-thirds of the world's oil and the lowest cost, is still where the prize ultimately lies …' A year earlier, at a Texas oil meeting, Cheney hinted at what would be the focus of Bush administration oil geopolitics. Talking about the dangers and instability in Kazakhstan, Cheney, who was still CEO at Halliburton, retorted, `You've got to go where the oil is … I don't worry about it a lot.' He had clearly thought about it a lot, though.

b. A declaração de Paul Wolfowitz


The most brazen was Deputy Defense Secretary Paul Wolfowitz, author of the 1992 white paper calling for preemptive wars, coauthor of the September 2000 Project for the New American Century report and leading war hawk. In June 2003, less than a month after Bush officially declared an end to the fight for Iraq, Wolfowitz told delegates to a Singapore security conference, `Let's look at it simply. The most important difference between North Korea and Iraq is that economically, we just had no choice in Iraq. The country swims on a sea of oil.'

c. A declaração de Michael Meacher


Michael Meacher, a former Blair cabinet minister, who had resigned in June, just after the war, told the London Guardian, `Bush's cabinet intended to take military control of the Gulf region whether or not Saddam Hussein was in power.' Meacher went on to make a shocking charge: `[I]t seems that the war on terror is being used largely as a bogus cover for achieving wider U.S. strategic geopolitical objectives.' Meacher also referred to the Cheney PNAC plan and the Baker Institute energy reports as providing the evident blueprint for Washington policy. The allegations of weapons of mass destruction and Al Qaida links were, for Meacher, just a smokescreen.

d. Declaração de Spencer Abraham

Another speaker at the same May 2003 Paris peak oil conference was Michael Klare, author of studies on resource. He cited a little- noted remark by Bush Energy Secretary Spencer Abraham to a March 2001 National Energy Summit. The Bush energy ofï¬ cial had warned, `America faces a major energy supply crisis over the next two decades. The failure to meet this challenge will threaten our nation's economic prosperity, compromise our national security, and literally alter the way we lead our lives.' Referring to the Cheney energy report of 2001, Klare remarked, `The overall emphasis is on removing obstacles—whether political, economic, legal and logistical—to the increased procurement of foreign oil by the United States.' He added, `… the Cheney energy plan will also have signiï¬ cant implications for U.S. security policy and for the actual deployment and utilization of American military forces.'

E eu mesmo adiciono outras evidências:


a. Declaração do então presidente americano George W. Bush, que estava disponível no site da Casa Branca em 2007 e que recuperei através do www.archive.org:


…We're too dependent on oil. And you know, in 1985, about 27 percent of our oilcame from other countries; today, about 60 percent does. And that's a dependency that creates economic and national security problems for us.

On the national security side, our dependence on oil leaves us more vulnerable to hostile regimes and terrorists. If you can blow up oil facilities overseas, it will affect the price of oil here at home. When you're dependent on something and somebody disrupts the supply on which you're dependent, it will affect you. It effects international politics, to a certain extent, to be dependent on oil.
When the price of oil goes up for whatever reason overseas, it affects the price of gasoline here in northern Alabama. So there is an economic issue for being dependent on oil. And, of course, when oil is burned as a fuel, it effects the environment. So we've got to change our dependency…

Foi um colunista da neocon Frontpage Magazine, Alan Dowd, quem acabou retirando dessas palavras seu conteúdo "esotérico":



"In 1985, about 27 percent of our oil came from other countries," Bush observed. "Today, about 60 percent does." This forces the American people not just to countenance thuggish regimes from afar, but to go to war for them (as in the Gulf War) or against them (as in the Iraq War), or at least to protect them and prop them up (as in the interregnum between those two wars)…"


b. Fala de Cheney em 1999, quando CEO da Halliburton.

Oil is unique in that it is so strategic in nature. We are not talking about soapflakes or leisurewear here. Energy is truly fundamental to the world's economy. The Gulf War was a reflection of that reality. The degree of government involvement also makes oil a unique commodity. This is true in both the overwhelming control of oil resources by national oil companies and governments as well as in the consuming nations where oil products are heavily taxed and regulated…
…The oil and gas industry provides essential goods at the lowest possible cost with regular reliability while still ensuring a cleaner environment and the industry provides security of supply even though at the same time we are required to manage huge political risk. What we do isn't always appreciated by the public and this is part of our industry's image problem that we need to work on in the next century. Frankly the focus in today's economy on globalisation and emerging markets is old news to the oil industry.


Ours are global companies investing outside the industrialised companies at the turn of the last century. People need to realise that the energy industry often represents the largest foreign investment in many parts of the world and its interest, insights and experience need to be considered. Oil is the only large industry whose leverage has not been all that effective in the political arena. Textiles, electronics, agriculture all seem oftentimes to be more influential. Our constituency is not only oilmen from Louisiana and Texas, but software writers in Massachusetts and specially steel producers in Pennsylvania. I am struck that this industry is so strong technically and financially yet not as politically successful or influential as are often smaller industries. We need to earn credibility to have our views heard.

…In the last century and up to World War Two coal was king and looks to have a lock as the primary source of energy. It was dethroned by oil, mostly due to transportation fuels, but also because oil was less polluting and easier to handle. Coal is still with us today, but oil is clearly dominant. In the new century, will the oil age give way to another source of energy or to new technologies? Some predict natural gas will erode oil's performance, others say that technology, fuel cells, telecommuting on the internet or some other breakthrough will lessen our dependence on hydrocarbons. Well, the end of the oil era is not here yet, but changes are afoot and the industry must be ready to adapt to the new century and to the transformations that lie ahead. It will mean showing more speed and agility. As I have outlined today, there are new areas to co-operate in, new risk, new competition, new roles, new integration and a new convergence with power. This will be a challenging environment as we cross the threshold into the new millennium. You don't here our times referred to as the Space Age anymore, instead it's the Information Age. You will notice they call it the Information Age, not the Knowledge Age. Well, I would conclude today by saying that this industry must be at the forefront of moving into the Knowledge Age. Successful competitors will be those that best manage knowledge. This means technology, expertise, best practices, country, market and competitor intelligence and opportunity assessment. These will be the hallmarks of the energy industry in the new century. I for one am proud to be a part of the industry and I am optimistic about our future in the coming century.


2. Guerra e democracia

Olavo novamente distorceu o que foi dito por Engdahl, acreditando ou querendo fazer acreditar que a existência da democracia no Iraque é admitida até pelos "críticos mais ferozes do governo Bush".

Ora, isso é irrelevante como prova de que "Engdahl, para dizer o mínimo, não é sério", já que ele não negou a existência de democracia no país, afirmando somente que não era essa a real intenção da administração americana na guerra contra o país (o que os trechos acima tornam suficientemente evidente). Na realidade, a única coisa que ficou demonstrada é que o próprio Olavo, para dizer o mínimo, não é sério.

E é bom fazer uma distinção: um sistema democrático presume a disposição das facções políticas em aceitar a legitimidade do governo de facções opostas que as vençam nas urnas – seja com eleições diretas ou mais ou menos indiretas – e atuar politicamente dentro desses parâmetros institucionais. O que existe no Iraque são eleições somente, não democracia. Sem a presença de tropas militares estrangeiras no país, o governo e mesmo o Estado tendem a ruir devido às lutas dos grupos internos. Mesmo os xiitas só estão geralmente mais dispostos a cooperar com as eleições porque sabem que possuem maioria nas urnas.

3. As intenções de Engdahl


Olavo então decidiu explorar as verdadeiras intenções do americano:


A dúvida, se alguma existe, fica totalmente esclarecida quando Engdahl diz a que veio: o que ele propõe é deter ou pelo menos desacelerar o crescimento de "um poder que já não é sustentável nem saudável para os EUA nem para o resto do mundo". É o mesmo programa da Rússia, da China e dos potentados árabes, bem como… dos Rockefellers e similares.


O próprio Olavo, em época mais transparente, já escreveu um livro em que pelo menos implicitamente apoiava o que Engdahl propõe. Hoje em dia ele quer nos fazer crer que os Estados Unidos só fazem espalhar o bem pelo mundo – duvido que ele mesmo acredite nessa babaquice – e que é incompreendido em suas boas intenções pela maldosa Rússia – contra a qual o filósofo declarou guerra até no plano espiritual –, China, "potentados árabes", etc., que tentam sabotar a grande potência através da "guerra assimétrica".
Somente em um mundo distorcido dessa forma alguém que não queira um governo mundial ou um império hegemônico ocidental, como é caso de Engdahl, defendendo um maior espaço para outras potências, globais ou regionais, pode ser retratado como uma expressão safada de anti-americanismo russo-árabe-sinófilo. Já o jornalista, que pleiteou e conseguiu um greencard para intelectuais pró-americanos mas não avisou isso a seus leitores, que vendia publicamente a idéia de que a Guerra do Iraque era só a defesa da nação americana, enquanto, em suas aulas, para um público fechado, admitia que ela fazia parte da expansão do Império Americano, a qual ele apóia como mal menor, esse pode tudo.

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