Como resultado temos, por exemplo, professores de humanidades que causam sono profundo, ou que ofereceram aulas presenciais durante décadas sem conseguir formar um único grande pensador, mas que prometem que o farão à distância e atendendo a milhares de alunos ao mesmo tempo.
Mas o que mais me causa repulsa, pois se relaciona à minha área de expertise, é a proliferação de cursos de línguas online oferecidos também a essa clientela conservadora.
Um bom exemplo é um curso de latim cujo professor desce a lenha na graduação que a USP oferece na língua, mas se gaba de ter se formado nessa mesma instituição e ter sido um dos melhores alunos da turma, e até melhor que seus próprios professores - sim, aqueles mesmos que chancelaram seu diploma!! Ora, vamos deixar a coisa bem clara:
- Os alunos de Letras da USP são conhecidos por serem os menos qualificados da instituição, e a grande maioria só consegue entrar nessa universidade porque o número de vagas é enorme se comparado ao das outras carreiras. Eu fiz o antigo segundo grau em escola estadual, em um curso noturno, e depois de cerca de 8 anos prestei vestibular para Psicologia na USP, que é tão difícil de entrar como o curso de Direito nessa universidade, sem fazer cursinho. Entrei em 26º lugar de um total de 70 vagas. Eu acredito que isso me coloque no Olimpo da inteligência brasileira, aquele que vai salvar a "cultura ocidental" - outro clichê vazio dos tupi-neocons? Não. Então baixe a bola, latinista!
- O curso de Letras da USP funciona da seguinte forma: o primeiro ano é básico, comum a todos os alunos de Letras. Ao final desse período, eles escolhem a língua estrangeira na qual pretendem se especializar - ou então Linguística ou só o vernáculo -, mas, como o número de vagas é limitado, existe um processo que a instituição denominou de "ranqueamento", que determina quem terá suas escolhas atendidas, o que é feito de acordo com o desempenho acadêmico durante o ano que se passou.
- O idioma mais concorrido no processo de "ranqueamento" é o inglês, que geralmente fica com os melhores alunos do primeiro ano. O curso de latim é muito pouco procurado, e acaba recebendo, na maior parte das vezes, os que colocaram esse idioma como segunda ou até terceira opção, mas que, pelo desempenho acadêmico nada brilhante no primeiro ano letivo, não tiveram suas primeiras opções atendidas, ou aqueles que, sabendo que não teriam chances em outros cursos, colocaram o latim logo como primeira opção.
Dá para entender por que alguém que goste desse idioma, e o tivesse como primeira opção no processo de "ranqueamento", se destaca em relação aos colegas de curso: ele quer realmente estudar a língua e tem ao seu lado predominantemente pessoas que não gostariam de estudar esse idioma e que têm um desempenho acadêmico sofrível já entre os menos qualificados alunos da USP. Não é tanto mérito pessoal quanto demérito alheio.
A propósito, eu tenho mais de duas décadas de ensino de inglês nas mais renomadas escolas de idiomas de São Paulo, e atuei no treinamento de professores, e posso garantir que um egresso do curso de Letras-Inglês da USP - que é a elite do curso deles -, em geral, não tem conhecimento da língua ou de didática que o coloque acima dos outros professores, e o fato de as melhores escolas terem total indiferença em relação a esse diploma já mostra claramente o quanto de admiração alguém formado em latim nessa mesma instituição merece. Ainda mais quando esse alguém diz que seus alunos estarão não só lendo, mas escrevendo ao final de seu curso, enquanto o seu próprio Currículo Lattes afirma que ele só sabe ler no idioma!
Leigos do mundo, leiam com atenção: exceto para uma pequena minoria que provavelmente nasceu com um talento especial para línguas, a aprendizagem de um idioma é um processo extremamente dinâmico e complexo, que exige um professor que não somente conheça a língua, mas tenha qualificação para intervir nesse processo de forma eficaz. Consequentemente, no caso da grande maioria das pessoas, a aprendizagem efetiva de uma língua não é compatível com intervenções assíncronas e à distância por parte do professor. E esse professor tem de ter muito conhecimento não só do idioma, mas muito mais de pedagogia e psicolinguística, cuja ignorância é denunciada até pela forma como os professores de latim ensinam e entendem ser a gramática. E não existem métodos milagrosos e infalíveis, mas procedimentos que ajudam a resolver dificuldades específicas, e, como um cirurgião qualificado, o professor de idiomas tem de saber qual utilizar ou, não tendo certeza, ter um instrumental vasto o suficiente para tentar diferentes intervenções.
But things can get worse than that. Lembram-se das recomendações enfáticas que o Olavo de Carvalho fez de sua professora americana de inglês, que o teria ensinado finalmente a ler no idioma? Não conheço o curso que ela oferece, mas seu aluno mais icônico ter afirmado que é impossível ler em outro idioma e entender corretamente sem traduzir para o vernáculo não dá muita credibilidade a seu testemunho.
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