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sábado, 22 de junho de 2019

Lava Jato ou Judge Eats?





Que a Operação Lava Jato teve como inspiração a Mãos Limpas italiana é um fato bem conhecido. 

Para que não restem dúvidas, a Folha de São Paulo demonstrou isso através de um paralelo entre as ações da Lava Jato e a descrição da Mãos Limpas feita pelo juiz Sérgio Moro, então um ilustre desconhecido, em um artigo publicado ainda em 2004.

O próprio Serio Moro comparou as operações em uma palestra para procuradores em 2015. Conforme relato da Revista Exame, aliás, "Moro lamentou que algumas oportunidades foram perdidas na Itália, citando como exemplo uma lei que anistiou alguns corruptos", mas que, em suas palavras, "não necessariamente devem ser perdidas aqui no Brasil".

Isso não impediu que, três anos depois, ele mesmo relevasse o crime eleitoral de Onyx Lorenzoni, dando-se por satisfeito pelo fato de que "Ele já admitiu e pediu desculpas". 


Voltando a 2015, na breve sabatina após a palestra:

Ao falar do bilionário e ex-primeiro ministro italiano Silvio Berlusconi, que a despeito de todas as evidências de corrupção ficou por três mandatos no poder, antes de renunciar em 2011, Sergio Moro disse não crer que as conquistas já obtidas no Brasil se percam e propiciem que “um aventureiro” assuma o comando do país.

De qualquer forma, em 2018, o juiz Moro aceitou o convite de um outro aventureiro - e candidato beneficiado pela condenação instantânea de Lula, levada a cabo pelo mesmo juiz -, tornando-se seu Ministro da Justiça. E disse tê-lo feito inspirando-se em decisão semelhante tomada pelo coordenador da operação italiana.

Ontem foi publicada, no blog Bem Blogado, uma entrevista com um magistrado que integrou a Operação Mãos Limpas. Ele diz, referindo-se às recentes revelações da Intercept:

Na Itália, caso existissem relações entre o juiz e o Ministério Público que não estivessem dentro da investigação, as críticas sobre essas relações seriam corretas. (…) As violações das regras provocam os efeitos que podem levar nulidade dos atos ou mesmo podem ter efeitos com conseqüências disciplinares. Ou seja, a violação das regras provoca até efeitos penais.

Bolsomínions e olavettes têm se negado a acreditar nessas revelações.

Mas, já que os paralelos com a operação italiana são inegáveis, como eles reagiriam diante do que o Guru da Vírginia escreveu sobre ela?

Em 2001, Olavo de Carvalho disse que a publicidade em torno da Operação Mãos Limpas na Itália tinha uma finalidade política: desviar a atenção do público para crimes de menor importância para proteger uma vertente política - nesse caso, a esquerda. É o que se lê nesse parágrafo:


Desde que, no começo dos anos 90, o dissidente Vladimir Bukovski trouxe dos Arquivos de Moscou as provas de que praticamente toda a imprensa social-democrática européia tinha sido financiada pela KGB na década anterior — suscitando imediatamente a eclosão da Operação Mãos Limpas, com que uma organizada elite de juízes comunistas desviou a atenção do público para casos de corrupção doméstica.

Em 2006, voltou ao assunto:


Com anos de antecedência, em 1993, expliquei que a “Campanha pela Ética na Política” tinha sido concebida exatamente para isso, que qualquer concessão à versão brasileira da “Operação Mãos Limpas” (ela própria um truque esquerdista sujo) seria apenas cumplicidade suicida com a estratégia mais perversa e astuta já adotada pela esquerda nacional ao longo de toda a sua existência.

Em 2011, disse a mesma coisa, mas com outras palavras:

...Mas sua divulgação, feita na Itália, não vingou: foi bloqueada pela deflagração da “Operação Mãos Limpas”, a qual, mediante eficazes acusações de corrupção menor, logrou as lideranças liberais e conservadoras para que se abstivessem de investigar aquilo que foi certamente o mais vasto empreendimento de compra de consciências em toda a história humana. Ajudando assim os comunistas a escorregar para fora da linha de investigações, a célebre ofensiva moralista da magistratura italiana talvez contivesse em seu nome uma alusão ao sabonete usado em análogas circunstâncias pelo mais escorregadio dos magistrados, o limpíssimo Pôncio Pilatos.

Apesar de querer parecer muito ciente dos interesses por detrás desses grandes movimentos de moralização política, o Olavo gravou um vídeo parabenizando Moro por ter mandado prender... a esquerda. 





Parafraseando sua análise sobre a inspiradora Mãos Limpas, ele poderia coerentemente ter dito que a Operação Lava Jato é, ela própria, um truque entreguista sujo através do qual uma organizada elite de juízes, muitos deles treinados pelos americanos, desviou a atenção do público para casos menores de corrupção enquanto ajudava a destruir a economia doméstica e entregá-la nas mãos de terceiros de forma análoga à de uma ligeiríssima empresa americana, constituindo uma espécie de Judge Eats.

terça-feira, 7 de maio de 2019

Olavo lambendo Aldo Rebelo



Agradeço ao deputado Rebelo a permissão para reproduzir este seu brilhante ensaio publicado na revista Princípios de julho de 2000, no qual, conforme já assinalei no meu relato do nosso debate na PUC, o detalhe da informação errônea sobre a Igreja e os índios, logo no começo, em nada modifica o sentido do conjunto. -- O. de C.

http://www.olavodecarvalho.org/convidados/rebelo.htm


domingo, 21 de abril de 2019

Olavo, o físico e a modelo-manequim.

Olavo de Carvalho voltou a se gabar de seu visto americano, o EB-1, que foi igualmente concedido a Albert Einstein e que, por essa razão, é popularmente conhecido como "Einstein Visa":
 
 

Isso pode parecer realmente muito impressionante, mas vejamos o que diz Susan McFadden, especialista em vistos americanos de um escritório de advocacia localizado na cidade de Londres e do qual é uma das sócias:
Você não precisa ter um prêmio Nobel para conseguir um visto para capacidades extraordinárias. Eu consegui vistos EB-1 para pessoas das quais você nunca ouviu falar e nunca ouvirá.

Um advogado experiente sabe o que os serviços de imigração e cidadania americanos estão procurando, e como destacar, da experiência do cliente, as coisas que serão atraentes à agência.





Essas declarações encontram-se em uma matéria da BBC.

E por que a matéria foi feita? Para entender a razão de Olavo de Carvalho ter o EB-1?


Não. Foi para tentar compreender como foi possível que ele também fosse concedido à eslovena Melania Knauss, atualmente conhecida como Melanie Trump, esposa do presidente americano, mas que então não passava de uma simples modelo.


É isso mesmo: o EB-1 é reservado, como explica a matéria, somente "em teoria a pessoas altamente prestigiadas em suas áreas - o governo cita vencedores do Pulitzer, Oscar e campeões olímpicos -, assim como pesquisadores acadêmicos respeitados e executivos de multinacionais". A realidade é bem outra:
.. [a]s instruções oficiais para os candidatos citam prêmios Nobel e reconhecimento internacional, mas a realidade é geralmente mais prosaica, diz Susan McFadden [...]
E quanto ao fato de Melanie Trump ter conseguido o "Einstein visa", apesar de ser somente uma modelo?

A matéria prossegue:
O advogado dela se negou a publicar detalhes de seu pedido, logo não temos como saber o que ela apresentou como evidência. Mas ela pode ter sido ajudada por cartas de recomendação de pessoas importantes, disse Nita Upadhye, especialista em imigração americana....
Recomendações são parte da solicitação, e quanto mais alto o perfil da referência, maior o peso que elas carregam. Se a Sra. Trump, já se relacionando com o Sr. Trump quando solicitou, garantiu cartas dos luminares da moda, isso seria significante, disse Upadhye: 'Se você é do mundo da atuação, e Quentin Tarantino ou Steven Spielberg escreve uma carta dizendo que você é a nova cara, isso pode ser persuasivo".
Então, em resumo, o Olavo tem o visto que foi concedido a um dos maiores físicos da história, mas também a uma modelo. E poderia ser concedido a Rodrigo Santoro, ou, sei lá, a um lutador de jiu-jitsu com QI 70 e as orelhas cheias de pus.

Mas o que o próprio Olavo diz do cientista ao qual sugestivamente se compara? Que não passava de um "gênio da picaretagem" e que tinha "fama 100% imerecida".




Esse Olavo tem formas muito estranhas de ter razão. 




quinta-feira, 4 de abril de 2019

Bolsonaro e Araújo: querem que Hitler desenhe?




Em 2017, Dinesh D'Souza, intelectual conservador conhecido nos EUA, porém de origem indiana, e que já foi preso por ter cometido fraude eleitoral, lançou um livro em que alegava expor as "raízes nazistas da esquerda americana".  




E, ainda em 1944, Ludwig Von Mises já havia proclamado a influência marxista pelo menos nas idéias econômicas dos nazistas.





De uma forma ou de outra, não é de hoje que autores populares na direita americana tendem a identificar o nazismo com o socialismo (não muito diferente da esquerda, frequentemente disposta a chamar qualquer liberal de "fascista"), tornando esse veredito, longe de consensual academicamente, extremamente comum entre os conservadores por lá. 

Essa atual celeuma sobre o tema envolvendo autoridades brasileiras - não só o Ministro Ernesto Araújo, como o próprio Presidente -  é só consequência da absorção de cacoetes americanizados pela direita daqui, em um fenômeno não muito diferente da presença da Estátua da Liberdade na loja de departamentos do empresário bolsomínion.




E não me parece que seja uma questão sem fundamento: como dizer que uma agremiação política denominada Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães não era socialista? 

Eu mesmo já concordei com essa posição exatamente devido a essa evidência aparentemente insofismável. Isso até eu perceber que, pelo mesmo critério, a esquerda americana seria toda composta de liberais pelo simples fato de que, nos Estados Unidos, "liberal" é o termo empregado para se referir à esquerda. Ou que os conservadores americanos seriam monarquistas, como seus congêneres britânicos, apesar de se identificarem como defensores dos princípios e valores que nortearam a constituição liberal-revolucionária de seu país.

Ou seja: será que o termo "socialismo" e seus derivados tinham o sentido usual também para os fundadores do Partido Nazista?


Não foi isso o que respondeu Hitler, em uma entrevista concedida em 1923 e republicada em 1932, conforme reprodução pelo jornal The Guardian e da qual traduzo alguns trechos essenciais para a discussão:



"Quando eu tomar o poder na Alemanha, colocarei um fim nos tributos externos e no bolshevismo doméstico [...] O bolshevismo [...] é nossa maior ameaça. Mate o bolshevismo  na Alemanha e você restaura o poder de 70 milhões de pessoas. A França deve sua força não a seus exércitos, mas às forças do bolshevismo e ao dissenso em nosso meio [...]"


Essas foram palavras do próprio Führer. Mas, ainda assim, pode-se argumentar que ele criticava o socialismo internacionalista russo, não sua suposta vertente nacionalista. Isso parece ter ocorrido ao entrevistador também, que, no entanto, estranha o fato do programa do partido de Hitler não refletir isso:

"Por que [...] o Senhor chama a si mesmo de nacional-socialista, já que o programa do seu partido é a própria antítese do que se comumente atribui ao socialismo?"


Ao que ele respondeu:

"O socialismo [...] é a ciência de se lidar com o bem-estar comum. O comunismo não é socialismo. O Marxismo não é socialismo. Os marxistas roubaram o termo e confundiram seu significado. Eu arrancarei o socialismo dos socialistas.
O socialismo é uma antiga instituição germânica, ariana. Nossos ancestrais alemães tinham certas terras em comum. Eles cultivavam a idéia do bem-estar comum. O marxismo não tem o direito de se disfarçar de socialismo. O socialismo, diferente do marxismo, não repudia a propriedade privada. Diferente do marxismo, ele não envolve a negação da personalidade, e, diferente do marxismo, é patriota. 
Nós poderíamos ter nos denominado de Partido Liberal. Nós escolhemos nos denominar nacional-socialistas. Nós não somos internacionalistas. Nosso socialismo é nacional. Nós exigimos o cumprimento das justas súplicas das classes produtivas pelo Estado na base da solidariedade racial. Para nós, estado e raça são unos". 
"[...] As favelas [...] são responsáveis por nove décimos, e o álcool por um décimo de toda a perversão humana. Nenhum homem saudável é marxista. Homens saudáveis reconhecem o valor da personalidade".
"[...] Nossos trabalhadores têm duas almas: uma é alemã, e a outra é marxista. Nós temos de despertar a alma alemã. Nós temos de extirpar o cancro do marxismo. Marxismo e germanismo são antíteses."
 A propósito, a mesma entrevista cita palavras de Leon Trotsky na qual o mais internacionalista dos comunistas - na realidade, o mais interplanetário dos comunistas - sugere que o nacional-socialismo alemão seria "o último baluarte da propriedade privada".

Deu para entender ou querem que Hitler desenhe?














terça-feira, 2 de abril de 2019

Nacional-Gnosticismo III: a Grande Cadeia do Ser




Vimos, na primeira parte desta série, as alusões do Ministro Ernesto Araújo a autores esotéricos em "Trump e o Ocidente", artigo que escreveu para uma revista de relações internacionais e que Olavo de Carvalho utilizou como referência ao recomendá-lo ao cargo no Governo Bolsonaro. 

É com base em conceitos esotéricos que também se ergue sua concepção de nação, como se verifica nesse trecho:
Fernando Pessoa ... dizia na Mensageur: '"As nações todas são mistérios. Cada uma é todo o mundo a sós"... [S]ua reação é justamente a tentativa genial de recuperar ou reinventar o nacionalismo mítico [...], refundar a unicidade profunda, multidimensional, transpolítica da nacionalidade ... 'As nações todas são mistérios': aqui, a palavra 'mistérios' pode se ler não só no sentido de enigma inescrutável, mas também de celebração e rito iniciático, de culto mistérico, como nos mistérios de Elêusis, e nesse sentido cada nação é também uma religião. [meus grifos]

Essas considerações reforçam o que foi dito na segunda parte sobre a acepção esotérica do termo "metapolítica" quando empregado pelo Chanceler. Como explicado então, metapolítica, nesse sentido, toma como princípio a existência de um "saber primordial comum a todas as civilizações", o que a tornaria, segundo seus defensores, a "expressão de uma ciência não profana, e sim sagrada", que "penetra no mistério escatológico da história" expressando "um projeto que [...] os homens retos esforçam-se de [sic] realizar na terra..."

É com esse pano de fundo que se deve ler as seguintes afirmações de Ernesto Araújo logo no início do referido ensaio:

[A]o lado de uma política externa, o Brasil necessita de uma metapolítica externa, para que possamos situar-nos e atuar naquele plano cultural-espiritual em que, muito mais do que no plano do comércio ou da estratégia diplomático-militar, estão se definindo os destinos do mundo. Destinos que precisaríamos estudar, não só do ponto de vista da geopolítica, mas também de uma 'teopolítica'. [meus grifos]

Como já estabelecido, se essa "teopolítica"/"metapolítica" tem como base uma concepção esotérica, então se faz necessário compreender como ela se articula até chegar à proposição de um nacionalismo que, mais do que o termo sugere, é também, e mais essencialmente, um "culto mistérico" e segundo o qual cada nação "é também uma religião".

Para tanto, não se pode cair no erro, que tem se tornado muito comum, de tomar as idéias de Ernesto Araújo, ou de Olavo de Carvalho, entre outros, na mesma chave com que se recebem as intervenções da Ministra Damares Alves ou de Iolene Lima. Leo Strauss, com seu Perseguição e a Arte de Escrever e suas considerações sobre as reais crenças de Maimônides, já deu rigor acadêmico à compreensão de como o discurso esotérico se camufla em uma nuvem de aparente religiosidade convencional.


É preciso atenção para não se deixar levar pelos símbolos linguísticos cristãos quando utilizados por pensadores gnósticos que se dizem defensores ou representantes da "fé cristã", sobretudo quando eles mesmos fazem referência a autores esotéricos como base de seu pensamento.

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O Ocidente cristão herdou da Antiguidade grega o conceito que se convencionou chamar de A Grande Cadeia do Ser. Essa Grande Cadeia seria a hierarquia que, iniciando-se no Ser Supremo - a origem de todos os seres e de toda a possibilidade de existência -, desceria, passando pelos deuses (ou anjos, na classificação cristianizada) e chegando até os homens, animais e minerais (existe um clássico de Arthur O. Lovejoy, publicado pela Harvard University Press, a respeito). 




Em consonância com o que apresentam as Escrituras, essa Grande Cadeia do Ser foi assimilada pelo Cristianismo como apresentando o Deus Criador no topo e, abaixo, os seres por Ele criados mediante Sua Vontade soberana.

Os gnósticos, no entanto, mantiveram uma perspectiva mais próxima da neoplatônica, mesmo que eles se apresentem exteriormente como defensores do Cristianismo.

De forma geral e muito simplificada, pode-se dizer que eles concebem a Grande Cadeia do Ser tendo, em seu topo, o Uno Transcendente Supra-Individual do qual emanariam - surgiriam espontaneamente, por assim dizer - deuses dos quais, por sua vez, "emanariam" ainda outros, em quantidade sempre crescente, até que, por fim, teríamos a realidade sensível na qual vivemos de forma mais imediata.

Um povo, uma nação, seria, portanto, mais do que uma coletividade humana com vínculos históricos, culturais, linguísticos ou étnicos entre seus membros. O modo de ser, agir ou pensar associado a um tipo nacional seria a manifestação sensível das possibilidades ontológicas contidas potencialmente na divindade arquetípica da qual essa nação mais imediatamente emanaria. Por essa razão, cada membro dessa nação teria de buscar a realização dessas possibilidades. Essa seria a finalidade, o "telos" de sua existência.


É dessa metafísica que advém a "metapolítica" que embasa o nacionalismo gnóstico. E é só munido desses conceitos que se pode compreender as palavras de Fernando Pessoa, ecoadas por Ernesto Araújo, sobre cada nação ser como um mistério, o que incluiria, no detalhamento feito pelo atual Ministro, também um "rito iniciático", um "culto mistérico" e "uma religião". Realizar, atualizar esse arquétipo nacional seria, segundo essa perspectiva, mais do que expressar uma "cultura", mas rigorosamente o cumprimento de um rito, o viver em consonância - e, consequentemente, em "ressonância" - com a divindade que deu origem a uma dada nação.

Ainda nessa concepção, os anjos - equivalentes semíticos dos deuses, segundo os esotéricos - seriam mais do que "entes" espirituais criados por Deus. Eles seriam "níveis da realidade". Seriam "estados" e, ao mesmo tempo, "seres supra-individuais".

É por essa razão que René Guénon escreveu, em O Homem e seu Devir Segundo o Vedanta [que, é importante destacar, Olavo de Carvalho inclui na lista de "Livros que fizeram minha cabeça"], abaixo em sua tradução espanhola:

[C]asi todo lo que se dice teologicamente de los ángeles puede decirse também metafisicamente de los estados superiores de ser. 




Reforçando, o mesmo autor diz, em "Os Estados Múltiplos do Ser", desta vez em tradução brasileira:

Já notamos que quase tudo o que é dito teologicamente dos anjos pode ser dito metafisicamente dos estados superiores do ser.




A propósito, alguns leitores devem se lembrar que, em 2015, nos artigos "A Igreja Humilhada" I e II, o pensador e, é importante lembrar nesse contexto,  também astrólogo Olavo de Carvalho defendeu que a recuperação da Igreja Católica só seria possível através do anterior resgate da "cosmologia medieval".

Vejamos o que Guénon - que "fez a cabeça" do Olavo e de Araújo - diz no trecho seguinte àquele reproduzido logo acima:
Já notamos que quase tudo o que é dito teologicamente dos anjos pode ser dito metafisicamente dos estados superiores do ser, assim como, no simbolismo astrológico da idade média, os “céus”, ou seja as diferentes esferas planetárias e estelares, representam estes mesmos estados, e também os graus iniciáticos aos quais corresponde sua realização; e, como os “céus” e os “infernos”, os Dêvas e os Asuras, na tradição hindu, representam respectivamente os estados superiores e inferiores em relação ao estado humano.
Veremos, na 4ª parte, a aplicação dessa "metapolítica" gnóstica à ordem política internacional. 








terça-feira, 19 de março de 2019

Nacional-Gnosticismo II: a Metapolítica do Ministro

Acesso à Parte I: O Chanceler Esotérico.

Desde a mais recente campanha presidencial, o chanceler Ernesto Araújo mantém um blog denominado Metapolítica 17 (referência ao número do então candidato Jair Bolsonaro), que pode ser acessado atualmente no endereço www.metapoliticabrasil.com. Apesar do endereço, a antiga capa e o nome original foram mantidos:




Quando da indicação desse Ministro, Olavo de Carvalho reagiu a uma publicação de Martim Vasques na qual o  ex-aluno e atual desafeto, apelidado de Martim Vaca, teria divulgado os posts de um russo que teria dito que Ernesto Araújo tem ligações com a "nouvelle droite" de Alain de Benoist exatamente por utilizarem, ambos, o termo "metapolítica":



É verdade que, como se lê no printscreen acima, metapolítica é um assunto, não indicando necessariamente a pertença a um grupo específico, mas também é verdade que o termo tem mais de um sentido, e aquele no qual o chanceler se enquadra o aproxima por demais do que pensam e fazem certos "grupos iniciáticos".

É o que se conclui do artigo "O que é Metapolítica?", de Alberto Buela, cuja tradução foi publicada no Brasil em 2014, bem antes, portanto, de tal discussão e evidentemente não influenciado por ela. 




Buela identifica 3 acepções do termo, sendo que somente as duas primeiras flagrantemente divergem das posições exibidas publicamente por Ernesto Araújo: 


A primeira acepção refere-se ao desenvolvimento de uma atividade cultural como "condição prévia e necessária para a tomada do poder político", mas, idealmente - e, segundo Buela, contraditoriamente -, sem qualquer ação política direta. Seria uma absorção do método gramsciano pela direita. Segundo Buela, "[p]oucos são os que sabem que este é o antecedente mais distante da noção de metapolítica que começou a manejar-se em fins dos anos sessenta por um grupo cultural francês conhecido como nouvelle droite".

A segunda acepção é a de uma filosofia política da linguagem sem pressupostos metafísicos, gritantemente oposta à posição do Ministro das Relações Exteriores e à de seu guru. 

Mas há a terceira acepção, que merece uma maior atenção:
"Uma terceira acepção da metapolítica está dada pelo que denomina-se tradicionalismo, corrente filosófica que ocupa-se do estudo de um suposto saber primordial comum a todas as civilizações. Cabe distinguir este tradicionalismo que por definição é ahistórico, da tradição de um povo particular como história de valores a conservar.
O máximo representante desta corrente, neste tema, é o italiano Silvano Panunzio que em sua obra Metapolítica: A Roma Eterna e a nova Jerusalém ocupa-se detalhadamente dos fundamentos da metapolítica e sua funcionalidade em nosso tempo.
Não obstante, é seu continuador o agudo pensador ítalo-chileno Primo Siena, quem melhor define esta significação de metapolítica quando sustenta: "Transcendência e metapolítica são conceitos correlativos, por ser a metapolítica veraz expressão de uma ciência não profana e sim sagrada; ciência que portanto eleva-se à altura de arte régia e profética que penetra no mistério escatológico da história entendido como projeto providencial que abarca a vida dos homens e das nações. Por conseguinte, a metapolítica expressa um projeto que - pela mediação dos Céus - os homens retos esforçam-se de realizar na terra, opondo-se às forças infernais que tentam resistir-lhes."


Sim, aí está a metapolítica condizente com o autor de "Trump e o Ocidente", o entusiasta de autores gnósticos, do defensor do tradicionalismo supratemporal de René Guénon, do dono do blog Metapolítica 17.


Acesso à Parte I: O Chanceler Esotérico.






segunda-feira, 18 de março de 2019

Nacional-Gnosticismo I: o Chanceler Esotérico


Ernesto Araújo, o chanceler brasileiro indicado por Olavo de Carvalho, notabilizou-se, entre outras razões igualmente controversas, por ter enaltecido o "Deus de Trump", que, segundo Araújo, "não é o Deus-consciência cósmica", mas "o Deus que age na história, transcendente e imanente ao mesmo tempo".

No mesmo ensaio, intitulado "Trump e o Ocidente", ele diz acreditar haver "ecos guenonianos" no discurso de Trump em Varsóvia, atribuindo-os à influência de Steve Bannon, então seu estrategista.


Bannon é, de fato, influenciado não só por René Guénon, como também por Julius Evola, mas, mesmo que nos esforcemos em considerar a fé de Trump algo genuíno (convicção religiosa essa que parece ainda mais cínica quando o vemos e ouvimos falar dela, como no vídeo abaixo), não é verdade que o conceito de Deus em Guénon sequer se assemelhe à concepção cristã ou especificamente católica, ao contrário do que afirma Araújo.



Em uma entrevista, reproduzida no vídeo acima e mencionada em um artigo do Washington Post, Trump diz que "Deus criou isso [apontando para seu campo de golfe e a natureza em volta], e está aqui o Oceano Pacífico bem atrás de nós".



Para René Guénon, 'criação" divina era um conceito inferior, exotérico, e, mesmo assim, típico somente das 3 tradições de origem semita (que ele chamava, com desprezo, de "religiões").

Guénon cria no emanacionismo. E cria não só que o universo teria emanado da Divindade - e não sido criado por Ela -, mas que os diferentes nomes divinos seriam referências também a diferentes manifestações hipostáticas dessa Divindade. Mais especificamente, Guénon escreveu, em O Rei do Mundo, que o El Élyon, o Deus Altissimo de Melquisedeque, seria o mesmo Emmanuel a que Cristo se referia, mas que esse seria superior a El Shaddai, o Todo Poderoso que se manifestou a Abraão.



Mas é difícil acreditar que Ernesto Araújo ignorasse isso tudo.

Araújo é autor de 3 livros de ficção. Um deles é intitulado Quatro 3, que escreveu quando "servia na embaixada em Berlim". Em entrevista sobre o livro publicada no site da própria editora, há um trecho que demonstra sua familiaridade com o gnosticismo, e evidente simpatia para com a heresia:

Alfa Omega: Seu livro também fala muito de deus.

Ernesto Araújo: Sim. Outro ponto que procuro trabalhar é a idéia da fragilidade de deus. Acho necessário contestar a concepção de deus como administrador do universo, e propor aquela de deus como prisioneiro desse mesmo universo. Precisamos resgatar a visão gnóstica do “deus que sofre”, e esquecer a figura do deus-juiz, do legislador cósmico vigiando e punindo.



Esse livro foi publicado 18 anos antes que ele se tornasse  nosso chanceler. Poderia refletir somente uma fase gnóstica na juventude, mas as muito mais recentes referências positivas a René Guénon, Julius Evola, Vitor Manuel Adrião e Carl Jung em "Trump e o Ocidente", além de sua ligação com Olavo de Carvalho, sugerem, ao contrário, um aprofundamento em suas convicções.

Acesso à Parte II: A Metapolítica do Ministro.