Do artigo "Prazo de Validade", publicado em 12 de fevereiro, de Olavo de Carvalho:
E, é claro, não poderia faltar quem, rastreando as pistas mais sutis e
inefáveis, visse no panelaço a mão sinistra do governo de Washington.
William F. Engdahl, o Emir Sader americano, nosso já velho conhecido
(leia também o artigo Sob as ordens do inimigo), jura até que o
“Movimento Passe Livre” foi inventado pelo sr. Joe Biden para
“desestabilizar o governo Dilma Rousseff”, quando no Brasil até as
crianças sabem que foi criado pelo próprio governo Dilma Rousseff para
desestabilizar a administração estadual paulista.
De trás para frente:
1. Se o Movimento Passe Livre foi criado para "desestabilizar a administração estadual paulista", como é possível que seus protestos em São Paulo tenham surgido em decorrência do aumento da tarifa de ônibus na cidade, então e ainda sob responsabilidade da Prefeitura de São Paulo, controlada pelo PT através do Prefeito Haddad? E por que o petista Haddad se reuniu com o MPL para negociar os tais vinte centavos? E por que Nina Rabelo, uma das lideranças do movimento, declarou, na época, que "Haddad vai ceder frente à pressão popular e vai revogar o aumento da tarifa", não que Alckmin o faria? E por que eles acusaram Haddad de ter apelado para o que chamaram de manobra lamentável nas negociações com o movimento?
2. Se o Movimento Passe Livre foi "criado pelo próprio governo Dilma Rousseff", como é possível que seu primeiro mandato tenha se iniciado somente em 2011 e o MPL de São Paulo já estivesse ativo em 2004 e o movimento nacional desde 1999?
3. Em 2010, Olavo já havia escrito um artigo sobre Engdahl. Intitulou-o "O Emir Sader Americano". Eu mantinha um outro blog à época, no qual rebati as tolas críticas de Olavo ao autor. Reproduzirei abaixo boa parte do meu post de então (alguns links já não estão mais ativos, infelizmente):
1. Guerra e
Petróleo
Um ano após a invasão de Bagdá,
prossegue Engdahl, "tornou-se claro que a guerra pouco tinha a
ver com a ameaça das armas de destruição em
massa…" (Olavo de Carvalho em "O Emir Sader Americano")
Qualquer leitor bem alfabetizado e honesto
entende que Engdahl não disse que não havia armas de destruição em
massa no Iraque, mas que elas pouco tinham a ver
com a razão que levou os EUA à guerra. Olavo reproduziu o trecho (que,
suponho, ele mesmo traduziu) mas transformou-o em uma
negação da existência dessas armas no Iraque, contrapondo
esse boneco de palha às evidências em contrário apresentadas por Miniter
em seu Disinformation: 22 Media Myths that Undermine the War on
Terror. Olavo disse que isso demonstraria que Engdahl não é bem
informado, que só lê a grande mídia, não livros com fontes primárias, mas
não consegue explicar por que a administração Bush não levou essas fontes
a sério para se defender, por que o insuspeitamente "bushista" Karl Rove
continua, em 2010, negando a existência de WMDs no
Iraque, e, pior, não consegue explicar por que até mesmo o
próprio George W. Bush negou que houvessem tais
armas [Atualização: o link estava ativo em 2010].
Mas, concedendo que essas armas realmente
estivessem lá, analisemos a importância dessas evidências e sua devida
compreensão.
Primeiramente, a presença de material
nuclear para a construção de WMDs e mesmo a existência das
próprias, além de controversa, pode ser compreendida sob uma outra
perspectiva, não a alegada pela administração Bush para justificar a
guerra. As dificuldades impostas pelo regime de Saddam às investigações da
ONU podem ser explicadas, como fazem estudos oficiais, pelo fato de que o
Iraque tinha de manter, para seus potenciais e reais inimigos locais, a
imagem de uma potência regional dotada de poderosos armamentos de guerra
ao mesmo tempo em que tinha de dar satisfações à "comunidade
internacional" de seu desarmamento e, mesmo se desarmando, ainda ter de
manter a estrutura para se rearmar posteriormente por uma questão
geopolítica evidente e perfeitamente justificável.
É o que explicam um
estudo oficial do Joint Forces Command e um outro,
da CIA.
Sabemos, no entanto, que a mera
existência de WMDs no Iraque não era a questão, e sim sua suposta
cooperação com a Al-Qaida de Bin Laden. Essa ligação não foi
confirmada pelas investigações do Pentágono, como noticiado primeiramente
aqui e aqui, repercutindo depois na
ABC News, Newsweek e até mesmo na então oficialesca Fox News.
De qualquer forma, lembremos, como
apontei acima, que Engdahl não entrou na questão da existência dessas
armas, mas de sua real importância na decisão americana de declarar guerra
contra o Iraque. Olavo tentou confundir o leitor. As evidências
das quais Engdahl realmente precisava para dizer o que de fato disse são,
portanto, de outra natureza, e ele as apresentou no mesmo livro criticado
pelo filósofo neocon. Olavo de Carvalho nem mesmo tentou dar conta desses
trechos:
a. The Cheney National Energy Policy
Report
A California electricity crisis,
soaring natural gas and oil prices, and a chaotic U.S. electricity grid
were the publicly stated reasons for the president's asking Cheney to make
proposals on a national energy strategy. The Cheney National Energy Policy
Report gave a clear signal of what the new administration was about. Its
message was buried in partisan debate and ignored. It should have been
studied more carefully as a clue to the Bush agenda.
The Baker Institute's energy
strategy report formed the basis of the ofï¬ cial Cheney task force
recommendations to the president, the National Energy Policy Report of
April 2001. Both the Baker and Cheney reports projected a dramatic
increase in U.S. dependency on imported oil over the coming two decades.
Baker's group identiï¬ ed growing shortages of world oil, and singled out
Iraq for attention: `Iraq remains a de-stabilizing influence to … the
flow of oil to international markets from the Middle East,' the Baker
study declared. They didn't explain why. They simply called on Washington
to `restate goals with respect to Iraq policy.'
The Baker Institute study also
recommended that Cheney's Energy Policy Group include `representation from
the Department of Defense.' The U.S. military and energy strategy were in
effect to be one. The Baker report concluded, as a portent of what was to
come, `Unless the United States assumes a leadership role in the formation
of new rules of the game, U.S. ï¬ rms, U.S. consumers and the U.S.
government [will be left] in a weaker position.' Cheney and the
new administration did not hesitate to assume the leadership role, though
few could imagine at that point just how the new rules would be formed.
Cheney's report emphasized a
growing dependency of the United States economy on oil imports, and looked
well into the future. After a passing mention of domestic energy
alternatives, the core of the recommendations dealt with how the
United States might secure new foreign oil sources. In this
regard, the report noted a problem. Many of the areas in the world
holding the largest oil resources were in the hands of national
governments whose interests were not necessarily to help the U.S. energy
agenda. Cheney's report noted that these `foreign powers do not always
have America's interests at heart.' What he meant was that a nationalist
government with control of its own energy resources and with its own ideas
of national development might not share the agenda of ExxonMobil or
ChevronTexaco or Dick Cheney.
Cheney, Baker and others in the top
policy circles of Washington had serious long-term concerns. They were
privately alarmed at the state of world oil supplies, a theme which, for
good reasons was rarely mentioned in public discussion. They were also
thinking of how to get their hands on what remained.
Back in autumn 1999, at a
private London Institute of Petroleum meeting, Cheney, then CEO of
Halliburton, had told leading international oil executives that the Middle
East would become an even more vital strategic center of needed oil
reserves over the coming decades. In a preview of his 2001 energy
report, Cheney told the oilmen: by 2010 we will need on the order of an
additional ï¬ fty million barrels a day. So where is the oil going
to come from? Governments and the national oil companies are obviously
controlling about ninety percent of the assets. Oil remains
fundamentally a government business.
Where would the world find six new
Saudi Arabias? Cheney answered, `While many regions of the world
offer great oil opportunities, the Middle East, with two-thirds of the
world's oil and the lowest cost, is still where the prize ultimately lies
…' A year earlier, at a Texas oil meeting, Cheney hinted at what
would be the focus of Bush administration oil geopolitics. Talking
about the dangers and instability in Kazakhstan, Cheney, who was still CEO
at Halliburton, retorted, `You've got to go where the oil is … I don't
worry about it a lot.' He had clearly thought about it a lot,
though.
b. A declaração de Paul
Wolfowitz
The most brazen was Deputy Defense
Secretary Paul Wolfowitz, author of the 1992 white paper calling for
preemptive wars, coauthor of the September 2000 Project for the New
American Century report and leading war hawk. In June 2003, less than a
month after Bush officially declared an end to the fight for Iraq,
Wolfowitz told delegates to a Singapore security conference,
`Let's look at it simply. The most important difference between
North Korea and Iraq is that economically, we just had no choice in Iraq.
The country swims on a sea of oil.'
c. A declaração de Michael
Meacher
Michael Meacher, a former
Blair cabinet minister, who had resigned in June, just after the war, told
the London Guardian, `Bush's cabinet intended to take military control of
the Gulf region whether or not Saddam Hussein was in
power.' Meacher went on to make a shocking charge: `[I]t
seems that the war on terror is being used largely as a bogus cover for
achieving wider U.S. strategic geopolitical objectives.' Meacher
also referred to the Cheney PNAC plan and the Baker Institute energy
reports as providing the evident blueprint for Washington policy. The
allegations of weapons of mass destruction and Al Qaida links were, for
Meacher, just a smokescreen.
d. Declaração de Spencer
Abraham
Another speaker at the same May 2003
Paris peak oil conference was Michael Klare, author of studies on
resource. He cited a little- noted remark by Bush Energy Secretary
Spencer Abraham to a March 2001 National Energy Summit. The Bush
energy ofï¬ cial had warned, `America faces a major energy supply crisis
over the next two decades. The failure to meet this challenge will
threaten our nation's economic prosperity, compromise our national
security, and literally alter the way we lead our lives.'
Referring to the Cheney energy report of 2001, Klare remarked,
`The overall emphasis is on removing obstacles—whether political,
economic, legal and logistical—to the increased procurement of foreign oil
by the United States.' He added, `… the Cheney energy plan will also have
signiï¬ cant implications for U.S. security policy and for the actual
deployment and utilization of American military
forces.'
E eu mesmo adiciono outras
evidências:
…We're too dependent on oil. And you know, in 1985, about 27
percent of our oilcame from other countries; today, about 60 percent
does. And that's a dependency that creates economic and national security
problems for us.
On the national security side, our dependence
on oil leaves us more vulnerable to hostile regimes and
terrorists. If you can blow up oil facilities overseas, it will
affect the price of oil here at home. When you're dependent on
something and somebody disrupts the supply on which you're dependent, it
will affect you. It effects international politics, to a certain extent, to be
dependent on oil.
When the price of oil goes up for whatever reason
overseas, it affects the price of gasoline here in northern Alabama. So
there is an economic issue for being dependent on oil. And, of
course, when oil is burned as a fuel, it effects the
environment. So we've got to change our dependency…
Foi um colunista da neocon Frontpage Magazine, Alan Dowd, quem acabou
retirando dessas palavras seu conteúdo
"esotérico":
"In 1985, about 27 percent of
our oil came from other countries," Bush observed. "Today,
about 60 percent does." This forces the American people not
just to countenance thuggish regimes from afar, but to go to war for them
(as in the Gulf War) or against them (as in the Iraq War), or at least to
protect them and prop them up (as in the interregnum between those two
wars)…"
b. Fala de Cheney em 1999,
quando CEO da Halliburton.
Oil is unique in that it is so strategic in
nature. We are not talking about soapflakes or leisurewear here.
Energy is truly fundamental to the world's economy. The Gulf War
was a reflection of that reality. The degree of government
involvement also makes oil a unique commodity. This is true in both the
overwhelming control of oil resources by national oil companies and
governments as well as in the consuming nations where oil products are
heavily taxed and regulated…
…The oil and gas industry provides essential goods at the lowest
possible cost with regular reliability while still ensuring a cleaner
environment and the industry provides security of supply even though at
the same time we are required to manage huge political risk. What we do
isn't always appreciated by the public and this is part of our industry's
image problem that we need to work on in the next century. Frankly the
focus in today's economy on globalisation and emerging markets is old news
to the oil industry.
Ours are global companies investing outside the
industrialised companies at the turn of the last century. People
need to realise that the energy industry often represents the largest
foreign investment in many parts of the world and its interest, insights
and experience need to be considered. Oil is the only large industry whose
leverage has not been all that effective in the political arena.
Textiles, electronics, agriculture all seem oftentimes to be more
influential. Our constituency is not only oilmen from Louisiana and Texas,
but software writers in Massachusetts and specially steel producers in
Pennsylvania. I am struck that this industry is so strong
technically and financially yet not as politically successful or
influential as are often smaller industries. We need to earn credibility
to have our views heard.
…In the last century and up to World War Two coal was king and
looks to have a lock as the primary source of energy. It was dethroned by
oil, mostly due to transportation fuels, but also because oil was less
polluting and easier to handle. Coal is still with us today, but oil is
clearly dominant. In the new century, will the oil age give way to another
source of energy or to new technologies? Some predict natural gas will
erode oil's performance, others say that technology, fuel cells,
telecommuting on the internet or some other breakthrough will lessen our
dependence on hydrocarbons. Well, the end of the oil era is not
here yet, but changes are afoot and the industry must be ready to adapt to
the new century and to the transformations that lie ahead. It will mean
showing more speed and agility. As I have outlined today, there
are new areas to co-operate in, new risk, new competition, new roles, new
integration and a new convergence with power. This will
be a challenging environment as we cross the threshold into the new
millennium. You don't here our times referred to as the Space Age anymore,
instead it's the Information Age. You will notice they call it the
Information Age, not the Knowledge Age. Well, I would conclude
today by saying that this industry must be at the forefront of moving into
the Knowledge Age. Successful competitors will be those that best manage
knowledge. This means technology, expertise, best practices, country,
market and competitor intelligence and opportunity assessment.
These will be the hallmarks of the energy industry in the new
century. I for one am proud to be a part of the industry and I am
optimistic about our future in the coming century.
2. Guerra e democracia
Olavo novamente distorceu o que foi dito
por Engdahl, acreditando ou querendo fazer acreditar que a existência da
democracia no Iraque é admitida até pelos "críticos mais ferozes do
governo Bush".
Ora, isso é irrelevante como prova de que "Engdahl, para
dizer o mínimo, não é sério", já que ele não negou a existência de
democracia no país, afirmando somente que não era essa a real intenção da
administração americana na guerra contra o país (o que os trechos acima
tornam suficientemente evidente). Na realidade, a única coisa que ficou
demonstrada é que o próprio Olavo, para dizer o mínimo, não é
sério.
E é bom fazer uma distinção: um sistema
democrático presume a disposição das facções políticas em aceitar a
legitimidade do governo de facções opostas que as vençam nas urnas – seja
com eleições diretas ou mais ou menos indiretas – e atuar politicamente
dentro desses parâmetros institucionais. O que existe no Iraque são
eleições somente, não democracia. Sem a presença de tropas militares
estrangeiras no país, o governo e mesmo o Estado tendem a ruir devido às
lutas dos grupos internos.
Mesmo os xiitas só estão geralmente mais dispostos a cooperar com as
eleições porque sabem que possuem maioria nas urnas.
3. As intenções de Engdahl
Olavo então decidiu explorar as
verdadeiras intenções do americano:
A dúvida, se alguma existe, fica
totalmente esclarecida quando Engdahl diz a que veio: o que ele propõe é
deter ou pelo menos desacelerar o crescimento de "um poder que já não é
sustentável nem saudável para os EUA nem para o resto do mundo". É o mesmo
programa da Rússia, da China e dos potentados árabes, bem como… dos
Rockefellers e similares.
O próprio Olavo, em época mais
transparente, já escreveu um livro em que pelo menos implicitamente
apoiava o que Engdahl propõe. Hoje em dia ele quer nos fazer crer que os
Estados Unidos só fazem espalhar o bem pelo mundo – duvido que ele mesmo
acredite nessa babaquice – e que é incompreendido em suas boas intenções
pela maldosa Rússia – contra a qual o filósofo declarou guerra até no plano espiritual –, China,
"potentados árabes", etc., que tentam sabotar a grande potência através da
"guerra assimétrica".
Somente em um mundo distorcido dessa forma
alguém que não queira um governo mundial ou um império hegemônico
ocidental, como é caso de Engdahl, defendendo um maior espaço para outras
potências, globais ou regionais, pode ser retratado como uma expressão
safada de anti-americanismo russo-árabe-sinófilo. Já o jornalista,
que pleiteou e conseguiu um greencard para intelectuais
pró-americanos mas não avisou isso a seus leitores, que vendia
publicamente a idéia de que a Guerra do Iraque era só a defesa da nação
americana, enquanto, em suas aulas, para um público fechado, admitia que
ela fazia parte da expansão do Império Americano, a qual ele apóia como
mal menor, esse pode tudo.